“Antigamente, não havia
senão a noite e Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais
alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as
estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam
nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento
no infinito firmamento!
Até que, no rebanho do
pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras. Essa
estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando
para longe as outras estrelas que começaram a definhar.
Pela primeira vez houve
estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o
Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino.
Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de
centro do Universo. Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus.
O que sucedeu, na
verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. A
Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, cansado, se ia deitar. Com o
Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas
brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha
sido rainha sem nunca ter que reinar.”
MIA COUTO, no livro
“A confissão da leoa"